Flonas, Flotas, etc etc

Nos dias 27 e 28/04 aconteceu uma mesa redonda promovida pela Conservação Internacional e ICMBIO sobre o papel da Floresta Nacional do Amapá (FLONA-AP) e a ainda em formação, Floresta Estadual de Produção (FLOTA, não entendo essa falta de conexão das siglas com os nomes reais, que o governos adoram). Diversas apresentações de vários especialistas na área de gestão ambiental, políticas públicas e manejo florestal abrindo sempre espaço para questionamentos e no final de cada bloco temático, um debate de todos os integrantes. Um exercício muito saudável da democracia científica. Acho que o maior problema foi o pequeno número de pessoas e a falta de representatividade de diferentes instituições sociais, ambientais e acadêmicas, mas os organizadores afirmam ter convidado os mais diversos agentes que poderiam ter interesse na discussão, fica a dúvida no ar.

No evento, me chamou atenção (e de todos participantes) a apresentação de um grupo que faz manejo florestal comunitário na FLONA do Tapajós, que se não me engano chama-se Ambé, que além de uma receita impressionante para padrões comunitários na Amazônia (cerca de 2 milhões em 2009), tem uma articulação social e o senso de oportunidade fantásticos. Eles aproveitaram todo o histórico de pesquisa da embrapa na área e numa movimentação comunitária reclamaram o direto de uso da terra e agora dão exemplo para todos que acham a falta de capacitação um impedimento para fazer qualquer coisa, eles aprenderam e muito bem.

O evento em si foi muito legal e instrutivo para todos, eu mesmo aprendi bastante coisa. Mas fica uma interrogação no ar, e o que vem depois? Como citado acima, não vimos representantes dos grupos sociais de interesses conflitantes com as políticas de gestão ambiental do governo federal e estadual, e existem muitos. Madeireiros, mineradores, ribeirinhos, e todos que de alguma forma se sentem legitimados no uso dos recursos naturais e florestais, deveriam estar lá. Não que eu vá com a cara de todos eles, mas é preciso ouvi-los para cair na real. Como falei, foi muito debatida a questão do papel das FLORESTAS (FLonas, flotas, etc), mas ninguém lembrou que logo abaixo da FLONA do Amapá e "abeirando" a FLOTA, existem planos para hidrelétricas com reservatórios que podem influenciar as áreas de entorno dessas UCs. E que essa energia toda parece estar muito voltada para produção de minérios, e mineração é um problema antigo e reincidente na FLONA (esses dias um juiz federal suspendeu a decisão que proibia o garimpo na FLONA e a rádio de Porto Grande, cidade próxima da unidade, anuncia isso ao sete ventos).

Voltando ao papel das UCs de uso sustentável, não seria primordialmente benefício da população? Temos que lembrar que os principais estoques madeireiros da Asia estão no fim e o governo atual já promoveu o primeiro contato com madeireiros da Malásia, buscando auxilio para essa nova etapa de "desenvolvimento" amapaense. Quando forem abertas concessões florestais, devem ser previstos contratos para comunitários e empresas locais que tenham RESPONSABILIDADE SOCIAL. Não adianta nada beneficiar os filhos da terra se alguns deles forem os primeiros a cuspir no prato que comem né? Outra, a regularização fundiária do Estado não existe. Toda a história de dividir as glebas, dar nome aos bois, está mais devagar que tartaruga e mais caro que Ferrari vermelha (Min. Publ. Fed., cadê vc meu filho?). Isso influencia diretamente na demarcação das terras da FlOTA, já que pelo que vi, eles querem pegar todo espaço que não seja área protegida federal. Considerando que os poderosos do Amapá já estão demarcando suas enormes áreas de terras por debaixo dos panos para serem ressarcidos pelo governo na desapropiação (palavras de um dos palestrantes que faz parte do governo), vai dar muuuito rolo.

Na elaboração dos planos de manejo, é fundamental que se leve tempo para realizar etapas de diagnóstico biológico e social, acho repugnante essa pressa em discutir alguns aspectos considerados principais em detrimento de outros tão importantes quanto. Nossas áreas de conservação são gigantescas e nosso corpo técnico é ínfimo, qualquer resultado obtido em curto espaço de tempo vai resultar em porcaria, isso é fato. E porcaria, nesse caso, resulta em conflitos que há décadas existem e não vão acabar.


Para finalizar, se quisermos garantir uma participação real da sociedade amapaense em todas as etapas do processo, precisamos que o governo tome a frente em algumas iniciativas. Estimular a articulação política de assentamentos, comunidades e afins para criação de associações é fundamental para iniciar um processo democrático em todas as camadas sociais. Capacitar esses grupos para poderem adentrar no mercado formal de trabalho e, por exemplo, poderem competir com outras empresas para tais concessões florestais. Essas e outras podem garantir mecanismos reais de melhoria para a população, sem necessariamente criar mecanismos muito protecionistas que acabam prejudicando o Estado, afugentando boas grandes empresas e sua imagem no exterior.

Sobre Hidrelétricas e Desenvolvimento Sustentável

Estamos passando por uma fase complicada no Brasil, o PAC criou um frisson desenvolvimentista que há décadas não sentiamos. Porém, nos tempos de mudanças climáticas e reconhecimento social da importância de conhecermos os processos ecológicos que regem nosso ínfimo planetinha, desenvolvimento tomou outras proporções. Mais especificamente sobre a possível construção de hidrelétricas no norte brasileiro, na selva Amazônica, vemos como a concepção da palavra desenvolver tida pelas altas esferas governamentais distoa até dos conceitos econômicos mais capitalistas para "desenvolvimento", que dirá ambientais.

Até onde eu sei, desenvolvimento envolve o crescimento econômico associado a uma melhoria da qualidade de vida da sociedade, medida em todos os parâmetros econômicos e sociais existentes pra isso. Esse papo de ficar mostrando no jornal nacional o percentual de crescimento econômico e PIB, e usar o aumento deles para justificar a necessária ampliação da matriz energética, não cria uma relação direta com melhoria de vida da sociedade civil, quem acha isso tá caindo no conto do vigário.

Para não ficar no discurso amplo e incipiente, citarei um exemplo pouco conhecido e que está acontecendo agora. Um pouco acima de Belo Monte, no estado do Amapá, está rolando todo o processo para implantação de algumas hidreletricas. O estado do Amapá tem por essencia a utilização de matriz energética térmica (queima de diesel) o que realmente é um absurdo e precisa ser mudado. Nesse ponto de vista, acho fantástica a implantação de outra forma menos agressiva de se gerar energia. Porém, está prevista a construção de no mínimo 3 hidrelétricas, fora as PCHs (pequenas companhias hidrelétricas) para geração de energia. A que está em estado mais avançado é a de Ferreira Gomes, que já possui licença prévia, e que só ela, gerará mais energia do que o estado todo precisa para se manter, além do linhão do Tucuruí que vai chegar em 2012 (dizem as lendas que também é quando chegará internet banda larga, e outras lendas que vai ser o fim do mundo) e poderá gerar energia para o Amapá. Então eu pergunto, pra que tantas outras serem instaladas?

Fazendo uma análise rápida, o Amapá não tem grandes planos futuros de urbanização que vá duplicar ou triplicar a população, logo a demanda energética da população não vai aumentar tanto. Também não vai ampliar seu porto e desenvolver um polo comercial forte que poderia aumentar de várias formas a demanda energética do estado. O que eu tenho visto em discursos e nos bastidores, é o pleno interesse dos governantes em criar um pólo de indústrias voltadas à mineração, o que pra mim, é uma grande sacanagem com todo mundo que vem trabalhando com políticas ambientais no estado.

Só pra constar, o Amapá é um exemplo mundial de conservação da natureza, com 72% de sua área sob alguma forma de proteção (UCs ou áreas indígenas), demonstrando um potencial absurdo para o tão falado desenvolvimento sustentável. A construção de tanta hidrelétrica só mostra a incapacidade da gestão federal e estadual em reconhecer esse potencial e tentar explorá-lo. Não sou um eco-chato contra o desenvolvimento, não sigo o romantismo de achar que o modelo de vida ideal é de um ribeirinho, muito pelo contrário. Acho fundamental a estruturação do Amapá, estradas, cidades com sistema de saúde e ensino funcionando, geração de renda através de iniciativa privada, etc etc, mas acho que o Amapá tem que caminhar diferente do resto, porque essencialmente o Amapá é diferente.

Diversos estudos vêm sendo realizados em toda a Amazônia e em outras florestas tropicais sobre a utilização dos não tão famosos produtos florestais não madeireiros. Existem alguns conhecidos, como o famoso açaí, que já é um produto industrializado e faz parte da renda do estado, mas ainda é muito insignificante perto do todo. Fármacos, objetos de arte, utensílios em geral, que quando vistos como produtos com potencial de mercado exterior e tratados decentemente, dão muito dinheiro!! Vejam a Natura e suas campanhas sobre produtos naturais, nota preta!! Associações, cooperativas, ongs, e outras formas de união comunitária devem ser incentivadas para iniciar a geração de capital baseado numa forma mais coerente de utilização da floresta. O Amazonas iniciou o processo com a Zona Franca Verde e hoje tem apoio até do Bradesco, e isso rendeu alguns bons milhões para o estado e estruturou, para mim, um modelo de gestão exemplar para a Amazônia. O mundo quer essas iniciativas, quer ver o povo amazônida respeitando suas florestas.

Claro que precisamos sim de indústrias, geração de energia, e todos os itens imbutidos no processo de desenvolvimento, mas acho que também temos de levar mais a sério a palavra sustentável e discutir muito melhor qual e como vamos desenvolver o Amapá, a Amazonia e o mundo na situação que nos encontramos.

Explanação inicial

Então, há muito sinto a vontade de manifestar de forma "oficial" minhas idéias sobre toda essa seboseira que vem acontecendo com o ambiente. Digo oficial porque geralmente verbalizo em mesas de bar, e apesar de apreciar a untada que o álcool dá no discutir das idéias, ele também tem o famigerado efeito de causar esquecimento. O que dificulta a propagação das idéias...

Por isso, criei esse blog, confesso que não será fácil escrever por aqui e por isso não terei posts constantes, mas vou me esforçar. Geralmente falar sobre o que está muito envolvido, causa um preciosismo enorme com as palavras, que normalmente me desistimula. Mas serei menos puritano, ligarei menos para a opinião geral e vamos ver no que dá.
 
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