Sobre garimpo e seu papel social

Se alguém perguntasse minha opinião sobre garimpo na Amazônia, cinco anos atrás, eu diria: "É a prática mais agressiva e sem sentido, deveria ser banida."Se alguém me perguntasse a mesma coisa, um ano atrás, eu diria: "É algo extremamente negativo do ponto de vista social, não agrega nenhum tipo de valor e ainda prejudica a natureza." Hoje, fazendo essa retrospectiva (de certa forma) crítica, vejo que, apesar de não estar de todo errado, pensava de uma forma muito simplista e perigosa.

O garimpo, pelo menos no Amapá (e acredito que seja extrapolável), é válvula de escape social de todo o Brasil. Muitos garimpeiros são de estados no Nordeste com altíssimos índices de desigualdade social, como Maranhão e Piauí, muitos também do vizinho Pará, e alguns poucos mais persistentes do resto do Brasil. Só é preciso andar um pouco pelos interiores e conversar com um ou outro, e rapidamente identificamos que garimpo faz parte da sociedade amapaense.

Falo sobre esse tema, porque recentemente, criou-se a polêmica acerca do garimpo do Capivara, um garimpo ilegal criado há mais de 30 anos dentro de uma unidade de conservação (FLONA do Amapá). A princípio, um ambientalista mais preocupado com o ambiente pensa: "Um garimpo numa UC? absurdo, tem que acabar." E essa era minha visão simplista e perigosa (o caminho mais simples sempre é o mais perigoso) de como as coisas funcionam. Porém, quando ouvi um caboclo dizendo "eu só sei ser garimpeiro, se fecharem aqui vou pra outro canto. Não sei e não quero fazer outra coisa", pensei muito no contexto social, e ousaria dizer, cultural, dos garimpos ilegais da Amazônia.

Vale ressaltar que não vou romantizar os garimpos ilegais e toda sua beleza rústica ou a braveza excepcional dos garimpeiros, acho coisa de doido e não recomendo. E nem vou fechar os olhos para todos os interesses políticos existentes na criação de garimpos (quem são os verdadeiros donos deles?), mas acredito que garimpos podem servir para trazer algo além de índices sócio-ambientais negativos. Usando a FLONA como exemplo, que possui uma área antiga de garimpo e meio "alienígena" no contexto da gestão da unidade, sendo tratada como um patinho feio que deveria (e foi) expulso.

O pior é que essa é a forma atual de gestão, empurra - empurra. Esse "povo" é composto por retirantes remanescentes de uma política deveras falha do governo de seus estados (e federal), e provavelmente muitos também foram expulsos de outros garimpos na criação de outras UCs, e, apesar de desenvolverem uma atividade prevista em lei, por diversos motivos vivem como "mercenários de minério". Mais ilógico é pensar que temos ao mesmo tempo, grandes mineradoras legalizadas, com históricos de irregularidades no pagamento de impostos, ausência de investimentos locais e que quando vão embora, deixam uma enorme cicatriz, no solo que exploraram e nas pequenas cidades desvirtuadas.

Encarar esses dois lados de uma mesma situação me faz pensar em pelo menos uma solução simples (CUIDADO!), que de forma alguma resolveria toda essa situação, mas poderia ser um pontapé inicial para vermos a questão do garimpo de outra forma. Grandes empresas extraem garimpo de forma legal não é? E garimpeiros são, de fato, considerados um problema social. Porém, eles fazem exatamente o que grandes empresas fazem, com a grande diferença que grande parte do dinheiro gerado é gasto localmente. Porque então, em vez de só abrirem concessões para grandes empresas, não existem incentivos governamentais para que esses "marginais" formem cooperativas e possam trabalhar de forma organizada e regulamentada em áreas de mineração previstas em, planos de manejo de FLONAS, por exemplo.

Esse simples evento causaria uma alteração tão profunda nas relações sociais, ambientais e políticas dessa categoria, que eu o atribuiria um caráter de revolução, no sentido mais puro da palavra. Acredito que as leis são feitas para o bem dos homens, não para o da natureza. Ignorância é pensar que um planeta multidiverso depende de uma espécie para sobreviver, a Terra continuará com ou sem nós. Precisamos parar de ignorar ou marginalizar nossos problemas ambientais, vendo tudo de uma forma romântica, que é a mais auto-destrutiva. Claro que não se trata de abarcar toda atividade lucrativa indiscriminadamente, mas sim de regulamentar todas as atividades de forma sustentável. Isso é conservação.
 
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